Uma Reflexão Visual sobre Cajá dos Negros
A exposição “Cajá dos Negros – Uma comunidade de destinos quilombolas em Batalha, Agreste alagoano” se destaca como um projeto sensível e essencial no panorama cultural alagoano. Ao mesclar fotografia, etnografia e um compromisso social profundo, a mostra reafirma o papel do fotoetnógrafo como um agente que vai além da simples captura de imagens, mas que constrói uma memória viva, promovendo escuta e iluminando modos de vida que frequentemente permanecem invisíveis. Mais do que um conjunto de fotografias, este é um ato político e afetivo que contribui para a preservação da rica história do quilombo Cajá dos Negros e amplia a compreensão sobre a diversidade cultural de Alagoas.
A mostra, que está em exibição no Complexo Cultural do Teatro Deodoro, ficará aberta ao público até 14 de janeiro de 2026, ocupando todo o espaço expositivo do local. Este projeto marca a estreia da primeira exposição individual do fotoartista e psicólogo social Ricardo Maia, que apresenta 96 fotografias resultantes de uma imersão no território quilombola em Batalha. Vale ressaltar que, apesar da menção ao Agreste no título da exposição, Batalha está situada na região do Sertão alagoano.
Processo Criativo e Compromisso Cultural
O trabalho é fruto de uma experiência fotoetnográfica que ocorreu ao longo de três dias e três noites no quilombo Cajá dos Negros, durante um workshop imersivo promovido pela FRAGMA em 2023, com o apoio da Associação de Desenvolvimento Comunitário de Remanescente de Quilombo de Cajá dos Negros (ADECOQCAN). Inicialmente, o projeto foi pensado como uma colaboração coletiva, mas Ricardo Maia redirecionou o ensaio como uma proposta autoral, adotando uma perspectiva crítica e decolonial, que se compromete claramente com a valorização do protagonismo quilombola.
Ao discutir seu processo criativo, Ricardo enfatiza que todas as imagens foram geradas durante esse período intenso de convivência com a comunidade. “As 96 fotos expostas são o resultado de uma imersão fotoetnográfica, de três dias inteiros e consecutivos no quilombo Cajá dos Negros”, explica o artista, que utilizou tanto a câmera de um celular quanto uma câmera digital, reforçando a ideia de que a presença e o olhar são mais significativos do que o equipamento técnico utilizado.
Simbolismo nas Imagens
Um dos elementos que permeiam o ensaio é a presença marcante da cor rosa nas fotografias, que, segundo o autor, vai além do plano visual e adentra o campo do simbólico. “A cor ‘rosa’ não é apenas um detalhe nas imagens, mas sim um elemento significativo no imaginário da comunidade”, observa Ricardo. Para ele, essa escolha cromática revela uma dimensão micropolítica que está especialmente ligada às mulheres negras do quilombo, refletindo força, organização social e uma ética feminista que atravessa gerações.
A exposição, portanto, também assume uma perspectiva feminista, homenageando o matriarcado quilombola e a liderança feminina que é tão presente em Cajá dos Negros. “Buscamos, com isso, prestar uma homenagem à mulher negra-quilombola, ao seu matriarcado e à sua liderança feminina com forte engajamento micropolítico”, destaca o fotógrafo, referindo-se ao conceito por trás do trabalho.
Curadoria e Apoio Institucional
A curadoria da mostra é de responsabilidade de Ricardo Maia, em colaboração com Israel Oliveira e Alice Barros, sendo a montagem enriquecida pela contribuição de criativos como Robertson Dorta, Ítalo Vinícius e Alexsandro Rocha, que cuidou da expografia em 3D. O projeto foi contemplado por meio de um edital da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), com recursos do Governo Federal, geridos pelo Governo de Alagoas através da Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa (Secult).
Ao final, a exposição reafirma a fotografia como uma ferramenta de presença e compromisso. Como lembra Ricardo, inspirando-se em Roland Barthes, “a vidência do fotógrafo não se resume a ‘ver’, mas a estar presente”. Essa presença — ética, sensível e envolvida — transforma Cajá dos Negros em uma contribuição fundamental para a memória, cultura e história viva do estado de Alagoas.

