Pesquisador Reforça Ligação entre Rachaduras e Mineração
No dia seguinte à inspeção judicial realizada no bairro Bom Parto, em Maceió, o geólogo Abel Galindo, ex-professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e especialista em Engenharia Civil, veio a público contestar a justificativa apresentada pela Defesa Civil Municipal. Em uma declaração feita na quarta-feira (23), ele afirmou que a explicação do coordenador da Defesa Civil, Abelardo Nobre, sobre o surgimento de rachaduras em imóveis devido à presença de argila expansiva, “não se sustenta nem técnica nem historicamente”.
A vistoria ao Bom Parto, marcada pela presença de várias autoridades, foi conduzida pelo juiz federal André Granja, em resposta a um pedido da Defensoria Pública do Estado (DPE) para examinar imóveis que apresentaram novas fissuras. Durante a inspeção, estiveram presentes também representantes do Ministério Público Federal e Estadual, do Serviço Geológico do Brasil (SGB) e da própria Defensoria Pública.
Na ocasião, Abelardo Nobre argumentou que as rachaduras seriam causadas pela argila expansiva do subsolo, que incha e se contrai com variações de umidade. “Essa condição do solo provoca os danos nas edificações”, alegou o coordenador. Porém, essa análise foi prontamente refutada por Galindo, que, com décadas de experiência em investigações geotécnicas, declarou: “Após realizar cerca de 20 mil furos de sondagem em todos os bairros de Maceió, posso afirmar, com total segurança, que não há argila expansiva no subsolo do Bom Parto ou em qualquer outra parte da cidade”.
O pesquisador, autor do livro “Tragédia – crime ambiental de sal-gema em Maceió”, reafirmou que a mineração da Braskem é a verdadeira responsável pelas rachaduras e pelo afundamento da região. Ele destacou a mina 34, localizada próxima ao bairro do Bom Parto, como o possível epicentro dos problemas atuais. “Pesquisas internacionais realizadas em 2020 já alertavam que essa mina poderia alcançar a superfície, como ocorreu com a mina 18”, recordou.
Desde 1974, a Braskem tem explorado a extração de sal-gema, apresentando uma série de poços que somam 35 perfurações. A Agência Nacional de Mineração (ANM), assim como os Ministérios Públicos e o Tribunal de Justiça, já identificaram problemas geológicos que causaram o afundamento do solo e rachaduras nos bairros de Pinheiro, Bebedouro, Mutange, Bom Parto e um trecho do Farol. Aproximadamente 60 mil moradores e empresas foram realocados e compensados financeiramente.
No início, a mineradora negava qualquer envolvimento com os danos geológicos, no entanto, especialistas, incluindo Galindo, destacaram a mineração como a origem dos problemas que levaram ao esvaziamento de áreas críticas da capital.
A exploração mineral foi suspensa em 2019, por recomendação dos Ministérios Públicos e determinação da Justiça Federal. Apesar da interrupção, os efeitos da mineração ainda são evidentes. O novo Plano Diretor da Prefeitura de Maceió classificou as áreas impactadas pela mineração de sal-gema como Zonas de Monitoramento e Reparação (ZMR), o que proíbe a reocupação dos imóveis e mantém alertas sobre a instabilidade do solo.
A inspeção em Bom Parto teve como objetivo fortalecer os argumentos da Defensoria Pública para aumentar a reparação aos moradores da área afetada, conforme o mapa de criticidade da Defesa Civil. Moradores, como Maria José da Silva, relataram que as fissuras estão se agravando com o tempo. “Resido aqui há nove anos. As paredes começaram a rachar, depois o chão começou a se abrir. Espero que possamos sair daqui dignamente”, contou.
O defensor público Ricardo Melro, durante a visita, destacou a importância do contato direto do Judiciário com a realidade das famílias afetadas. “A Justiça saiu do gabinete e foi a campo para perceber a situação real. A sentença envolve sensibilidade. Precisamos decidir se essas famílias podem continuar residindo aqui”, afirmou.
O geólogo Júlio Lana, do Serviço Geológico do Brasil, alertou sobre a necessidade de maior rigor nas investigações. Embora tenha notado indícios de subsidência, ele enfatizou que a vistoria foi superficial e requer um estudo mais aprofundado. “É essencial um monitoramento contínuo para estabelecer conexões com a mineração”, destacou.
Galindo ainda lembrou que o processo de afundamento na região é monitorado desde 2002. “O raio de influência dos danos varia conforme a qualidade do solo. Em áreas com solo firme, os impactos se limitam a mil metros, enquanto em solos mais frágeis, podem se estender até dois mil metros”, esclareceu.
A área inspecionada é classificada pela Defesa Civil como AT06-B, entre a Avenida General Hermes e a Laguna Mundaú, com o Ginásio Tenente Madalena e a Estação Férrea do Bom Parto como referências.
A Ação Judicial proposta pela DPE e outros órgãos visa obrigar a Braskem a incluir moradores da área de criticidade 00 no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação, garantindo indenização por danos morais e materiais. Para os da criticidade 01, o pedido é para inclusão opcional no programa ou reparação pela desvalorização dos imóveis.
A Braskem contesta judicialmente a necessidade de seguir os critérios atualizados do Mapa de Ações Prioritárias (versão 05), alegando que houve mudanças nos parâmetros que justificaram a reclassificação das áreas afetadas.
Enquanto o impasse judicial se arrasta, os moradores do Bom Parto se encontram entre a expectativa de uma resolução e o temor de permanecer em residências instáveis. Para Abel Galindo, a verdadeira questão é a busca pela verdade científica. “Tentar culpar a argila é desviar a responsabilidade. O que se observa é uma tragédia causada pela mineração — e o que se espera é justiça para aqueles que ainda vivem sob risco”, finalizou.