O Desaparecimento de Davi e o Impacto do Caso em Alagoas
Após mais de uma década, o julgamento dos policiais militares envolvidos no desaparecimento de Davi da Silva, um adolescente de apenas 17 anos, finalmente tem data marcada. O júri popular acontecerá no dia 13 de outubro de 2025. Davi desapareceu em agosto de 2014, após ser abordado por quatro policiais da Radiopatrulha no Conjunto Cidade Sorriso, localizado no bairro do Benedito Bentes, em Maceió. Desde então, sua família aguarda ansiosamente por justiça, enquanto os réus enfrentam acusações graves como tortura, homicídio e ocultação de cadáver.
Este caso é um dos mais notórios na história criminal de Alagoas, não só pela falta do corpo de Davi, mas também pela suposta participação de agentes de segurança pública na sua abordagem. Na manhã do fatídico 25 de agosto, Davi estava acompanhado do amigo Raniel Victor de Oliveira, também de 17 anos. Ambos foram abordados pelos policiais em um momento em que portavam uma pequena quantidade de maconha, aparentemente destinada ao consumo pessoal, sem qualquer ligação com tráfico.
A Abordagem Policial e Seus Desdobramentos
O Ministério Público de Alagoas (MPAL) alega que os jovens foram submetidos a coações e agressões, visando extrair informações sobre uma suposta rede de tráfico na área. De acordo com Raniel, que sobreviveu à abordagem, a ação foi realizada por três homens e uma mulher da Radiopatrulha. A Polícia Civil, ao investigar o incidente, confirmou que duas guarnições estavam de serviço naquele dia, compostas pelos mesmos perfis que Raniel reconheceu posteriormente em fotografias.
Contudo, a luta pela verdade e justiça encontrou um obstáculo trágico. Raniel, que foi incluído no programa de proteção à testemunha, depôs contra os acusados, mas acabou assassinado em novembro de 2016, apenas três dias após reintegrar-se a Maceió. Apesar de sua morte não ser oficialmente ligada ao caso, seu testemunho continua a ser uma peça central para o julgamento, sendo considerado válido.
Provas e Testemunhos que Reforçam a Acusação
Arthur Lira, advogado do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-AL), acredita que o conjunto de provas é robusto. Ele afirma: “Os elementos de prova são consistentes e indicam a responsabilidade dos policiais, que também enfrentam acusações de ocultação de cadáver.” Além do depoimento de Raniel, outras testemunhas corroboram a história, e registros de Estações de Rádio Base (ERBs) fornecem dados que vinculam os réus ao local e ao horário do crime.
Lira também ressalta a importância de se responsabilizar os acusados, mesmo na ausência do corpo: “A marcação do júri reacende a esperança de que a justiça seja feita.”
Defesa dos Policiais Aponta Contradições nas Provas
Por outro lado, a defesa dos policiais sustenta que as alegações são infundadas e que as evidências apresentadas não são consistentes. O advogado Napoleão Lima Júnior argumenta que tanto os depoimentos de testemunhas quanto os registros de ERBs contêm contradições. “O inquérito policial e a denúncia do MP demonstram tecnicamente que a participação dos policiais é impossível, se é que houve a abordagem”, afirma. Lima também questiona a identificação dos réus e os horários fornecidos pelas testemunhas, que, segundo ele, não se alinham com os dados oficiais.
Uma Mãe em Busca de Justiça
Maria José da Silva, mãe de Davi, permanece incansável em sua luta por justiça. “Até hoje luto por ele. Meu coração de mãe nunca se engana. Não quero que esse caso fique impune”, expressa. Ela retrata seu filho como um jovem carinhoso e dedicado aos estudos, “ele era meu braço direito”. Arthur Lira considera o caso um dos maiores exemplos de desaparecimento forçado na história de Alagoas, ressaltando as desigualdades sociais que cercam a vitimização de jovens negros e pobres.
A Gazeta tentou contato com o Ministério Público Estadual, que optou por não se pronunciar até o julgamento, conforme as diretrizes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). A expectativa é de que a data marcada traga um novo capítulo nesse trágico episódio, permitindo que a verdade venha à tona e a justiça seja feita.