Em meio a intensos debates entre representantes da advocacia e o Supremo Tribunal Federal (STF), a seccional paulista da Ordem dos Advogados do brasil (OAB-SP) tomou uma iniciativa significativa ao instalar, nesta segunda-feira, 23, uma comissão de estudos destinada a discutir uma ampla reforma do Poder judiciário. Este grupo de trabalho, que conta com a participação de ex-presidentes do STF e ex-ministros da justiça, se reuniu pela primeira vez na sede da OAB-SP, localizada em São Paulo, onde foram estabelecidos os principais eixos de atuação.
A comissão tem um prazo de um ano para desenvolver e apresentar propostas que serão encaminhadas tanto ao Congresso Nacional quanto ao próprio STF. Entre os tópicos que estão sendo cuidadosamente analisados, destacam-se questões críticas relacionadas ao funcionamento do STF e à conduta de seus ministros, além de aspectos importantes da administração da justiça.
Durante a cerimônia de instalação do grupo de trabalho, realizada no auditório da OAB-SP, os membros expressaram suas preocupações em relação à atual crise de credibilidade enfrentada pelo judiciário. Essa questão foi um ponto central em todos os discursos proferidos. A ministra aposentada Ellen Gracie, que fez história como a primeira mulher a integrar o STF (2000-2011) e a presidir a Corte (2006-2018), destacou que o momento é propício para abordar essa temática, uma vez que o judiciário tem sido alvo de críticas severas e se mostra incapaz de atender às expectativas da sociedade.
A comissão é composta por figuras de destaque, incluindo o ex-presidente do STF Cezar Peluso, além de Miguel Reale Jr. e José Eduardo Cardozo, ambos ex-ministros da justiça. Também fazem parte do grupo a cientista política Maria Tereza Sadek, Cezar Britto, ex-presidente da OAB, e Patricia Vanzolini, ex-presidente da OAB-SP, além de professores de Direito da FGV, como Oscar Vilhena e Alessandra Benedito.
Miguel Reale Jr. enfatizou que o STF é uma preocupação central do grupo, destacando a necessidade de revisar sua competência, regimento interno e imagem pública, buscando preservar sua integridade como um órgão neutro e imparcial. Patricia Vanzolini acrescentou que a comissão se comprometerá a propor “correções de rumos” com o objetivo de fortalecer a Corte. Já Maria Tereza Sadek observou que as críticas dirigidas ao judiciário possuem “fundamentos sólidos” e citou a atuação de ministros e juízes como pontos de preocupação. Ela ressaltou a urgência de uma reflexão profunda sobre a situação atual do sistema judiciário, especialmente em tempos de crise.
Uma das propostas debatidas preliminarmente envolve a criação de um código de conduta para magistrados, incluindo os ministros de tribunais superiores, com normas claras que garantam a imparcialidade. Atualmente, juízes e desembargadores seguem as diretrizes estabelecidas pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que está em vigor desde 1979, antes da promulgação da Constituição.
Os membros da comissão reconhecem a necessidade de atualização dessas regras. Embora o grupo esteja focado na discussão de reformas no judiciário, existe uma preocupação em se opor a iniciativas consideradas revanchistas contra o STF, como projetos que visam restringir as prerrogativas dos ministros, conhecidos como “Pacote Anti-STF”.
Oscar Vilhena ressaltou que a comissão atua em defesa da justiça, posicionando-se como crítica, mas não como adversária do sistema. No ano anterior, a comissão de Constituição e justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados já havia aprovado um conjunto de medidas para modificar o funcionamento do STF, incluindo a proposta de revisão de julgamentos pelo Legislativo. Contudo, esse processo está atualmente paralisado, aguardando a criação de uma comissão especial para análise.
Outro assunto que começou a ser debatido entre os membros da comissão é a possível restrição da transmissão ao vivo das sessões plenárias do STF. Estudos indicam que o tempo de votação dos ministros aumentou significativamente desde a introdução da TV justiça. A proposta em discussão sugere que apenas os julgamentos de questões constitucionais sejam transmitidos em tempo real, enquanto ações criminais, como aquelas relacionadas a casos de corrupção, poderiam ser acompanhadas apenas presencialmente.
Outra questão relevante em pauta é a possibilidade de implementar mandatos para os ministros do STF, semelhante ao que ocorre em diversos países europeus. Atualmente, os ministros do STF têm mandatos vitalícios e só se aposentam compulsoriamente ao atingirem 75 anos ou ao optarem por deixar o cargo.
A redução da competência criminal do Supremo também é uma prioridade para a comissão. A avaliação é de que o elevado número de inquéritos e ações penais sobrecarrega a agenda da Corte, dificultando o julgamento de questões constitucionais. A restrição do foro privilegiado é um tema amplamente apoiado entre os membros do grupo. Recentemente, o STF ampliou o alcance do foro privilegiado, o que gerou preocupações sobre a politização do tribunal, uma vez que um tribunal que julga muitos políticos inevitavelmente acaba se envolvendo em questões políticas.
Leonardo Sica, presidente da OAB-SP, defendeu que o judiciário não deve ser regido por “normas de gabinete”, em referência aos atos normativos do Conselho Nacional de justiça (CNJ), que têm gerado controvérsias, como a que restringiu as sustentações orais dos advogados, um ponto que está sendo cuidadosamente considerado pela comissão.
Qualquer mudança estrutural no funcionamento do STF necessitará de aprovação por emenda constitucional, o que exige uma maioria qualificada na Câmara e no senado, além de votação em dois turnos. O texto ainda poderá ser submetido ao controle constitucional pelo próprio STF, que poderá barrar as alterações caso as considere incompatíveis com a Constituição.
A última reforma significativa no judiciário ocorreu em 2004, quando foi criado o CNJ e introduzido o instituto da repercussão geral, que permite ao STF estabelecer diretrizes para as instâncias inferiores do sistema de justiça. No entanto, assuntos que envolvem benesses e supersalários de juízes não estão na pauta da comissão, que não prevê discussões sobre essas questões sensíveis.
As informações relatadas refletem a crescente preocupação com a integridade e a eficiência do sistema judiciário no brasil, destacando a necessidade de uma análise crítica e proativa para restaurar a confiança pública no judiciário.